Instituto Pensar - A esquerda tem que se posicionar sobre segurança pública, diz Isabel Figueiredo

A esquerda tem que se posicionar sobre segurança pública, diz Isabel Figueiredo

por: Ana Paula Siqueira


A pauta da segurança pública tem que ser vista com atenção pela esquerda e centro-esquerda. É o que defende a advogada, mestre em direito constitucional e especialista em gestão pública Isabel Figueiredo. Ela foi a convidada da 14ª live sobre a "Revolução Brasileira no Século 21?, realizada nesta quarta-feira (11). O tema foi "Segurança Pública como novo tema da revolução?.

"Não dá para não pensar em segurança pública como dever do Estado. Do ponto de vista da ciência política, talvez seja uma das principais razões do Estado moderno: controle, uso da força e resolução dos conflitos?, afirma a pesquisadora que também já foi subsecretária de Segurança Pública do Distrito Federal.

A falta de uma definição clara do papel dos entes federados e das próprias forças de segurança é um obstáculo para que o Brasil avance no combate e prevenção à violência. Mas, de acordo com Figueiredo, também é necessário que a esquerda se mobilize para debater em profundidade a questão e apresente um plano consistente nas eleições do próximo ano.

"Não tenho como não dizer que a esquerda e a centro-esquerda estão devendo na segurança pública. A gente tem muito para contar, mas, também, muitas oportunidades perdidas de alguma forma. Essa, inclusive, é uma das minhas grandes preocupações para as eleições do ano que vem. Independente de qual é o partido, esquerda e centro-esquerda devem se organizar para ter uma proposta efetiva de segurança pública. E que a gente consiga comunicar isso para a população?, enfatiza a pesquisadora.

O vazio bolsonarista

Isabel Figueiredo lembra que o discurso de Jair Bolsonaro (sem partido) é a repetição da defesa das armas de fogo. Não passa de argumentos vazios que "vão contra todo o discurso científico da segurança pública.?

"Mas a gente não está, conseguindo comunicar isso, enquanto esquerda e centro-esquerda, mostrar esse vazio, essa ausência de coordenação que se reflete em todas as áreas?, reforça.

A pesquisadora lembra que apesar da defesa de Bolsonaro ao armamento da população, a maior parte das pessoas é contra esse posicionamento.

"Embora a gente tenha esse governo com essa política armamentista enlouquecida e aumento de registros e compras de armas, ao mesmo tempo a gente tem pesquisas de opinião que indicam que 70% da população é contra arma de fogo. A gente usa muito pouco isso. Não estamos conseguindo transformar isso num ativo mais concreto?, observa.

Caio Prado Junior e a Revolução Brasileira

O coordenador do site Socialismo Criativo e membro do Diretório Nacional do PSB, Domingos Leonelli, destaca a importância que o tema ganhou ao longo dos anos.

"Na medida em que entendemos a revolução como um processo, como Caio Prado Junior, entendemos que a segurança pública é um tema emergente. Não estava presente na pauta de Caio Prado Junior quando ele escreveu o livro Revolução Brasileira e não estava presente nos constituintes, onde me incluo. Não aparece como saúde e educação, que é um direito de todos e dever do estado?, afirma o socialista.

Leonelli também lembra que além do custo social da violência, quase 6% do produto Interno Bruto (PIB) do país vai para a segurança pública.

"Precisa estar incluído no projeto nacional de desenvolvimento, como estamos tentando contribuir na Autorreforma do PSB?, afirma.

Falta de entendimento

O debate sobre segurança pública é relativamente recente. Tem, aproximadamente, 30 anos. À época da elaboração da Constituição Federal ainda não havia o entendimento claro da necessidade de estruturação das políticas públicas da área de segurança.

"A gente não conseguiu criar um sistema básico com o tripé plano, conselho e fundo, com responsabilidades claramente atribuídas aos entes federados e os princípios norteadores. A gente não tem nada disso na Constituição. A gente tem rol de polícia dizendo mais ou menos as atribuições, que não são muito claras porque elas brigam lá na ponta?, detalha a pesquisadora ao se referir a ausência de um planejamento de segurança pública, que contem também com um conselho federal e um fundo que garanta a realização das ações na área.

Autorreforma do PSB, conforme explica Leonelli, propõe a criação de um sistema de segurança pública utilizando o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS) como ponto de partida.

"Nós reconhecemos que há uma falha institucional. Como a saúde e a educação, a segurança deve ser um direito de todos e dever do Estado para que se possa traduzir numa política efetiva de segurança, como o SUS, que foi a maior conquista popular democrática advinda da Constituição Federal de 1988?, ressalta.

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Um passo à frente e dez para traz

Após anos de luta durante os governos dos ex-presidentes Lula e Dilma (PT), houve uma tentativa de aprovar um projeto de lei, que acabou aprovado durante o governo de Michel Temer (MDB), que criava o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), relata a pesquisadora.

"O governo conseguiu fazer um aporte maior de recursos [em 2018], mas a partir de 2019 isso simplesmente morreu e não se fala mais no Susp. Se a gente ainda não conseguiu resolver do ponto de vista normativo, o que pareceu andar um pouquinho, caiu por terra no atual governo?, critica.

Pódio do horror

Os níveis alarmantes da violência reforçam a necessidade de estruturar o quanto antes políticas de Estado articuladas para a segurança pública. Nem dados consolidados oficialmente o país tem. Trabalho esse que é realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e que confirma o horror diário a que a população é submetida.

"São mais de 50 mil mortes violentas intencionais, mais de 62 mil desaparecimentos, uma ligação por minuto para o 190 pela violência doméstica. É um número absurdo de estupros e violência sexual em casos em que 60% dessas vítimas tem menos de 13 anos. Além da questão do extermínio da juventude, que é fundamental porque tem cor, idade, endereço e a gente não dá conta de fazer algo, de dar uma resposta estatal. São diversas razões, mas fundamentalmente, porque a gente não tem um sistema instituído?
Isabel Figueiredo

A pesquisadora afirma ainda que "se a gente não imagina estruturas mínimas de governança, divisão clara das competências e financiamento, a gente não vai sair desse lugar indecente que a gente está?. O Brasil é o país com maior número absoluto de mortes violentas do mundo.

Marginalização

A integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB), Juliene Silva, defende a urgência da estruturação da segurança pública.

"Somos um dos países que mais prende, mas é um dos que tem mais violência. Nossa política de segurança não é eficiente porque se consolida em gastar uma grande parcela da nossa arrecadação num combate ineficaz que, na verdade, acarreta no genocídio da população negra?, afirma ao se referir à política de combate às drogas.

A população periférica, observa Juliene, sofre de todas as formas.

"Nesse processo, a gente fala dos dois lados. O policial que também é pobre e é preto, como a população, e da própria juventude periférica, tanto a que está envolvida nos processos de marginalização e violência como a que não está, mas mora naqueles espaços em que se dá esse processo de construção ineficaz dessa guerra às drogas?, pontua.

Luta de classes

A pesquisadora afirma que é preciso falar claramente sobre a segurança pública, tanto na sociedade como dentro dos partidos.

"Na questão da luta de classes a gente mata ou prende. É isso o que a gente faz: protege patrimônio. A gente tem uma sociedade que acha razoável matar pessoas por conta de um crime patrimonial, acha que um furto ou roubo de carteira ou celular justifica a morte do autor. A gente tá explodindo a população carcerária e ostentando esse vergonhoso título de ser o país com mais homicídios no mundo?
Isabel Figueiredo

Domingos Leonelli ressalta que a pessoas mais vulneráveis são as mais desprotegidas.

"Nas classes populares a violência ocorre em grande proporção. As classes dominantes encontram formas de se proteger, proteger seus condomínios, seus bancos, suas estruturas. E a parte da estrutura pública cuida mais da defesa do patrimônio do que da vida. É um dos aspectos mais nítidos e brutais da luta de classes no Brasil?, afirma.

E a ausência do Estado é um fator preponderante em todos os aspectos e deixa territórios livres para grupos violentos, como explica Juliene.

"Eu sou do Rio, cresci aqui. Para quem cresce longe desse processo de discussão política, a milícia é uma cosia maravilhosa. O que ouvi é que o melhor território para morar é território dominado pela milicia porque lá não vai ter violência e porque os serviços funcionam?, observa.

Resgate das boas práticas socialistas

Isabel Figueiredo defende a importância do PSB valorizar mais as boas experiências que as gestão socialistas já conseguiram implementar durante suas gestões. O programa Pacto Pela Vida, implantado no governo de Eduardo Campos, em Pernambuco, teve bons resultados e o modelo chegou a ser replicado no Distrito Federal, durante o governo de Rodrigo Rollemberg.

Ela destaca ainda as experiências do Espírito Santo, com governador Renato Casagrande, e na Paraíba, durante a gestão de Eduardo Coutinho, quando houve queda permanente nos índices de homicídios.

Debates necessários

A pesquisadora afirma ainda que é preciso deixar de ter medo de falar sobre polícia.

"A gente tem que parar de achar que falar sobre segurança pública é falar só sobre a parte de prevenção. Se por um lado, a direita nada de braçada na pauta polícia, a esquerda tem o que dizer, mas na hora que o assunto é polícia e repressão, a gente para, não dá conta. A gente não discute claramente que, no limite, a polícia vai matar pessoas. Está no mandato dela. É horrível e a gente tem que olhar para isso com clareza?, defende a pesquisadora.

Ela afirma também que "é necessário criar instrumentos de controle, de treinamento de uso de força, ter uma polícia bem treinada, com protocolos claros, que não vai escolher reprimir protesto A ou B, mas a função dela também é manter a ordem. E a gente precisa da polícia e boa parte da esquerda não discute isso?,

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